Ruas bonitas e estreitas. Avenidas bonitas e largas, com até nove faixas. Prédios altos, mas nem sempre — tem espaço para ver o céu olhando para frente, o que areja as vistas. Metrópoles podem ser claustrofóbicas.
Buenos Aires está abaixo do extremo sul do Brasil (que seria Chuí/RS); mesmo na primavera, as temperaturas são amenas (ou frias). Também tem brasileiros, muitos brasileiros, por toda parte. Aceitamos pix na porta de vários estabelecimentos. Dólar, dólar, cambio, cambio era os gritos no centro, junto dos letreiros compro oro e a arquitetura clássica bem europeia. A divisão da calçada e da via é marcada por tocos pretos que mais parecem uma bala (munição) brotando da calçada.
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A vida corrente era parecida com qualquer cidade grande que já testemunhei, mas são testemunhos, no geral, de uma turista. Vejo as pessoas falarem muito sobre "viajar para conhecer de verdade o lugar, como um nativo” e acho um deslumbramento um pouco exagerado. Você só vai conhecer o lugar como um turista, mesmo que fique dois meses num slow travel. Eu não acho que conheço direito a minha cidade. Na espera por uma consulta médica, um homem aleatório debochou da minha falta de referências de certos bairros ou linhas de ônibus. Não sei nomes de ruas e me perco desde antes do Google Maps virar meu fiel companheiro. Esqueço o nome dos lugares que fecharam e das ruas onde já morei. Sei lá o que quer dizer conhecer de verdade, mas me parece uma barreira para conhecer o possível.
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Na medida em que nos afastamos das áreas mais turísticas, a cidade vai tomando sua forma periférica. A inflação dos últimos 12 meses superou os 200%. Em qualquer parte, chaveiros simples chegam a custar 40-50 reais. Nas livrarias deslumbrantes com piso de madeira e artes pintadas no teto, os livros custam facilmente duzentos reais. A viagem de metrô, subte, que há pouco tempo custava cerca de 70 centavos, saltou (gradativamente, mas em grandes saltos) para uns cinco reais. O cheiro de mofo ao descer as escadas é bem forte. A comida é cara e geralmente ruim (fui em uma dúzia de lugares ou mais; não foi azar, mas fui feliz com algumas meriendas e um bao). Existe uma lei que intenciona reduzir e controlar o consumo de sal da população, mas não é o único motivo para a comida ser sem tempero.
As pessoas são sérias e andam com pressa. Muitas carregam carrinhos de feira para cima e para baixo. É uma cidade plana. Nas ruas, qualquer pessoa pode te pedir informação — mesmo que você se caracterize de forma estrangeira, turística. É muito comum (na verdade, não sei se vi acontecer diferente) que o argentino fale com você uma frase inteira sem primeiro chamar sua atenção. Ao invés de:
— Senhora?
— Diga.
— Você vai querer açúcar ou adoçante no seu café? Ou pode deixar puro?
Eles fazem mais o tipo:
— Senhoravocêvaiquereraçúcarouadoçantenoseucaféoupodedeixarpuro?
E te encaram com cara de tacho. E vai da sorte prestar atenção o suficiente para identificar quando é com você que estão falando. Por vezes, a não-resposta-imediata faz com que comecem a falar inglês. Ou então fazem isso depois de te ouvir falando umas frases em espanhol, e talvez seja por acharem seu espanhol ruim. Ou por acharem que é uma oportunidade deles falarem um pouco de inglês. Por isso, quando falam:
— Cash ou card?
Respondo:
— Efectivo.
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Quando buscávamos um apartamento para passar a semana, Palermo bombava com lugares bonitos e perfeitamente pagáveis. Quase todos tinham uma varanda com mesinhas bonitas e uma boa vista. Isso inventou um critério de busca que não existia: varanda no apartamento. Acabamos ficando no centro, mas não colocamos um dedo naquela varanda. A vista era a parte interna do condomínio, e só se via os outros prédios. Não era possível enxergar o céu dali.
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São vários os parques na cidade, belíssimos, com fontes, patos, pedalinhos e flores. Abertos, fechados, pagos, gratuitos. Diz a Wikipedia que são umas 250 áreas verdes. Foi um dos pontos altos na cidade, junto de ir no MALBA (Museu de arte latinoamericana de Buenos Aires) numa quarta-feira, com meu DNE, e não pagar a entrada, mesmo sendo estrangeira. A isenção/meia de estudante costuma funcionar só para residentes no país. A ironia é sair dali com postais da Tarsila do Amaral (Brasil) e Frida Kahlo (México) e nada de recordação de alguma artista argentina. Fica como pendência para quando voltar. Mas deixa a moeda valorizar os brasileiros de novo.
Um beijo,