Depois de fazer um frete, o rapaz olhou pela janela do meu apartamento e falou algo como: não sei como tem gente que gosta desse tipo de vista; essa favela de prédios.
A minha vista nem é tão ruim. Tem muito prédio desbotado, afinal, cidade grande; mas também tem algumas árvores e a serra no fundo. Não chega a ser São Paulo, mas está longe de ser uma vista bonita para se demorar admirando. Claro que têm várias pessoas que acham lindo; nossos gostos chegam nesses lugares. Amamos obras estranhas, filmes tristes, livros incômodos. Mas ainda é uma cidade cinza, com um quê de sujeira, indiferença e tristeza.
Estudos pequenos (como esse, feito com menos de cem pessoas, e relatos de médicos) sugerem que pessoas deprimidas enxergam menos contraste, logo, mais cinza. Dias cinzas não costumam ser vistos como estimulantes (são aqueles dias de dormir até tarde, ver um filme), e as áreas urbanas mais alegres costumam ser aquelas grafitadas, pintadas, com parques verdes e cor.
Lembramos do minimalismo, que é uma tendência e trata de estilo de vida, da mudança no padrão de consumo, de estilo e cores. Tons neutros, suaves, decoração escandinava. Uma carinha meio asséptica, muitas vezes. Um bocado de bilionário (como o Zuckerberg, e, na sua época, Steve Jobs) só repete a mesma roupa para ter mais tempo para ganhar mais dinheiro. Carol Burgo, dona da Loja Prosa, comentou em seu instagram sobre ter se cansado de vestir cores por lidar com muitas estampas no trabalho, e o branco das roupas funciona como uma tela vazia que equilibra a sobrecarga cromática. Quem trabalha com arte, no geral, parece demonstrar essa necessidade de quebra. Cinza, branco, bege, preto. Massificado, asséptico, depressivo, alívio, descompressão; que associação você faz?
O preto e branco nunca foram regra no meu trabalho; optei por privilegiar os “quase”. Quase preto, quase branco. Creme, roxo acinzentado escuro. Na impressão, estamos habituados a produzir livros em papel amarelado (pelo conforto na leitura) e a imprimir um “preto não tão preto”, chamado preto calçado, para não sobrecarregar a impressora. Eu já tinha percebido que esse contraste (branco super luminoso e preto puro) tende a incomodar o olhar, e gostava mesmo era de usar o desconforto com intenção. Contrastes feito esse aqui:

Depois de passar um tempo sem usar preto e branco, foi possível passar a escolher genuinamente quando usar. Ao invés de ser um par obrigatório de qualquer paleta, sendo os neutros essenciais, essas cores viraram apenas mais algumas matizes que posso considerar. Quando uso, vejo mais sentido em escolher por não ser um automatismo. Tem que ter.
Quando saímos da escolha óbvia e exploramos outras opções, o branco deixa de ser apenas asséptico, o cinza deixa de ser apenas triste. Nosso entendimento comum sobre cores é muito pobre. Isolado, fora da cultura, das implicações subjetivas (ou reduzido a gosto-não-gosto). Verde-esperança, amarelo-alegria, roxo-misticismo; são associações que ignoram que cores existem em contextos e têm valores (são três: matiz, saturação e luminosidade) que fazem toda a diferença. Mesmo os cinzas têm alguma personalidade. Podem ser mais quentes ou mais frios. Inclusive, a temperatura está também na paleta (conjunto de cores) — e uma paleta com “tons frios” pode aparentar ser mais quente do que outra composta de “tons quentes”. A interação de cores é vista de forma diferente de uma cor isolada.
Olho para os cinzas considerando as possíveis características que podem carregar. Cinzas não tão cinzas — Seriam então “quase cinzas”?

Gosto de pensar neles como os cinzas mais vivos. Um pouquinho mais vibrantes (ou um pouco menos cinzas, se for o caso). O cinza que tem matiz (e não é só cinza claro, médio, escuro) pode ser sutil, mas é nas sutilezas que tratamos uns muitos significados.
E sobre a pergunta que soltei lá em cima, reitero: a associação que você faz a partir de uma cor é contextual. O branco pode ser sua tela de repouso, sua roupa favorita, uma lembrança feliz, o ranço da classe alta (que consegue manter brancos não encardidos), a ideia de uma camisa de força e um quarto acolchoado, a angústia de um início, um hospital pavoroso.
E diria isso: são associações que não se excluem mutuamente; que são contextualizadas; e dizem de uma cor que realmente funciona num espectro, e cada gradação faz diferença. Se uma cidade (ou uma casa, guarda-roupa, enfim) recebe outras cores, o cinza suporta evocar outros significados (e a gente poderia tirar menos sarro de São Paulo).
Um beijo,
Eu pessoalmente acho o cinza uma cor extremamente confortável. O tecido é mais gostoso e quentinho quando é cinza, não sou eu quem faço as regras.