1.
Tenho observado meu espaço que, mesmo não recebendo nenhum móvel a mais, parece mais sufocado, apertado. Claustrofóbico. Vagando pela memória, a Amanda criança tinha dentes muito encavalados. Grande demais em uma boca pequena demais. Parece que estou morando numa boca infantil. Os móveis estão meio sem lugar, algumas partes (volumes) crescem em velocidades desproporcionais, demandando ora adaptações, ora vontade de jogar tudo para o alto e fugir. Usualmente, vontade de jogar tudo fora. Como é possível tirar, perder, descartar e, ainda assim, parecer que a densidade daquele espaço aumenta?
O costume de estar num lugar que me serve há anos vira uma vontade de apostar em outros espaços onde eu possa ter uma mesa apenas para escrever, e passar a limpo num lugar novo, numa página em branco, numa página onde não preciso apagar para anotar por cima.
2.
Das novidades da vida (que, literalmente, não pára de me surpreender): estágio de docência. Estou tentando passar a uma turma muito mista, dentre outras coisas, a ideia geral de que reconhecer e nomear é elevar à milésima potência sua capacidade de perceber. A análise como um treinamento do olhar e um enriquecimento de repertório, e o questionamento como se permitir repensar o óbvio, identificar o automatismo, dar uma ré, decidir e pensar por si o que faz sentido para além da convenção. Que exercício delicioso e assustador.
3.
Eu escrevi uma novela no começo da pandemia (mandei para zero lugar), e logo emendei em um romance. Já ultrapassou o marco de dois anos desde que comecei a elaborar e escrever essa história, e sempre é uma surpresa me deparar com as anotações (dei uma pausa indeterminada). Tenho mais clareza do que é o fio condutor que tanto considero atraente, que é um pouco como explorar seus interesses diante de óticas variadas. Vai na leitura, no estudo, no entretenimento, na criação. Tem um pouco a ver com aquela atração que te faz rever os mesmos filmes, séries. (Para mim: Carol, I may destroy you e Fleabag. Tem um palpite desse fio?)
4.
Falando em histórias. Por volta de 2021, Sandra Guimarães respondeu a uma mensagem qualquer nos stories do seu (finado) Instagram. Guardei o print e leio ocasionalmente. Acho uma joia. “O amor é um ato da sua vontade”.
5.
Eu tenho minhas dúvidas de que existiria uma ocupação, um lugar que, mesmo em fantasia, seria satisfatório para um grupo ou bolha,. Porque sem estudo formal, você é ignorante. Se está se dedicando à pesquisa, está “preso na academia”, longe da “vida real” (além de todas as nuances de “útil” e “inútil” que existem para qualificar uma pesquisa). Se faz parte de um movimento de militância, te falta conhecimento na práxis. Se faz parte da construção de conhecimento, te falta organização. Se dedica cada minuto do seu dia a algo que acredita, te tensionam: não daria pra dar mais? Fazer voluntariados? Fazer mais caridade? Se você se movimenta por uma causa X: e as pessoas Y? Elas não existem? Não importam? Parece que, por mais que sua bolha de contato mais constante insista em dizer, não somos como nossos pais, não seremos úteis, não pegaremos os valores boomer daquilo que consideram úteis, não seremos advogados ou engenheiros, acabam sendo alvejados só com um novo senso de utilidade, capturados entre a bagunça eterna entre individual e coletivo, entre ter seu senso de identidade, mas que ele sirva a um Propósito maior (quase religioso), entre um trabalho que “pague as contas”, mas que seja coletivamente útil e, em último caso, te satisfaça em alguma medida. Reinventam a utilidade e a autenticidade todo dia, mas continuam sendo o comando disfarçado do que fazer com sua vida em nome de se encontrar, de pertencer, de coerência. Seja de qualquer coisa citada ali, seja para escolher entre viajar/não viajar, comprar/alugar/ser “nômade”, metrópole/interior. Continua ali, e continua sendo um lugar onde brotam muitas culpas estranhas. O certo está sempre mais “pra lá” do seu alcance, e não há tempo a perder: continue se esticando, se movimentando, se insatisfazendo.
Amando esse modelinho micro-ensaios de ser, e que quebram um galho na correria. Acompanham, na verdade, a maneira de pensar. Um pouco fragmentada, um pouco várias coisas ao mesmo tempo. Honesta.
Um beijo,