1.
Algumas semanas atrás, encerrei minhas aulas de bateria. Também estou na fase final do mestrado. E sobre o espanhol, também finalizado, com certificado de proficiência. Mas encerrei a bateria, não sendo necessariamente boa nisso, não “servindo a nada” especificamente — mas como é bom! É horrível começar coisas novas e ser péssima nelas, mas é bom insistir e ver alguma melhora. Foram dois anos de bateria, de mestrado, mais de três no espanhol. Cheia de buracos em cada uma em que investi, mas escolhendo mudar de foco. Fim da bateria, mesmo. Exausta, precisando descansar, recarregar para, em breve, gastar com outras coisas. Carinha de novembro.
2.
Peguei um artigo antigo para editar e não fazia ideia do que estava falando ali. Não é curioso? Pegue um livro: lemos uma vez, entendemos uma coisa. Relemos, entendemos outras. Ouvimos usualmente: o leitor (também) cria enquanto lê. O sentido de um texto não está fechado, cada um produz algo com aquilo. Mas a maior prova de que produzimos coisas diferentes em cada contato é essa maluquice de escrever, e rever, e rever.
3.
A solidão do estrangeiro é uma expressão muito boa que me faz pensar 1) que estar “de fora” é o terror do ser humano, 2) no isolamento de falar uma língua estrangeira e 3) fácil de perceber de modo amplo em relatos de imigrantes. Sinto isso quando passo muito tempo sem falar português, língua que aprendi a amar depois de tempo, pelas poucas e curtas (mas muito significativas) viagens que faço.
Mas também sinto, de modo paradoxal, que estar fora de convenções — do que se espera para fazer parte de um grupo, e ser uma estrangeira — é extremamente acolhedor; é pertencer a um outro grupo, um subgrupo. Sempre vai haver uma maneira de encontrar afinidades mais próximas das suas, e pessoas com as quais pode compartilhar delas. Não precisa ser contraditório, como a maneira como constroem o papo de rótulos e caixinhas. Buscam para pertencer, rejeitam para não se limitarem. Mas imagino que todos os anticaixinhas adoram organizadores no lugar de tralhas físicas espalhadas. Não é estranho buscar ordem refletida lá e cá.
4.
Tenho um olho pulando há umas duas semanas e me distraio da vida. Digita aqui, lê ali, streamings, tela, tela, tela, cansaço. Choro bastante, sinto falta de me distrair com a vida. Observando as pessoas no ônibus, enxergando histórias em qualquer banalidade, reagir fotografando e escrevendo — mesmo que só mentalmente na maior parte das vezes. Escrever em papel se tornou uma raridade. Apesar de adorar um caderno, meu texto só discorre nas teclas. Até posso olhar a serra pela janela, um recorte alto da vista, bonito, tranquilizador. Mas não chega a me distrair, de fato, o que é uma pena.
5.
O que está me distraindo é uma novela. Só me lembro de ter visto Alma gêmea quando novinha, mas nunca fui de novelas. Meses atrás, próximo da minha prova de proficiência em espanhol, resolvi começar Argentina: tierra de amor y venganza, uma maneira pra lá de prolongada pra treinar um idioma, mais de duzentos capítulos (e uma segunda temporada). E me lembrou A amiga genial, que trata de umas tantas coisas enquanto, no fundo — mas se projetando mais e mais como destaque —, se desenrola um contexto histórico marcante. Anos 1930, atravessando franquistas, nazismo. Eu gosto das histórias rotineiras e tenho pavor de “filme de época”, e essa novela começa em uma cena de guerra, o que era quase uma certeza de que iria abandonar imediatamente. Cento e sessenta e tantos episódios depois, com tráfico de mulheres, sufragistas, eleições, e com todos os elementos que uma novela merece, sigo aqui. Pensei que não aguentaria também pelo foco em prostíbulos; não sabia se suportaria ver o horror dessas histórias, mas é também satisfatório ver os cafetões (cafishos) absolutamente cientes que nenhuma mulher quer a prostituição para sua vida.
É uma ficção (adaptação livre de uma história real) que demonstra como se engana em escala, se compra a polícia, se falsifica tudo (os votos feitos com documentos de pessoas falecidas!), se sequestra a qualquer um, e como uma mulher foge e é tragada de volta aos bordéis. É coisa pra caramba acontecendo, fiz minha contribuição no Filmow e deixo aqui o convite pra conversar comigo sobre esse novelão que atravessou la década infame.
Um beijo,