Um estado que me é bem conhecido, mas, ao mesmo tempo, um mistério, é o que entendo como o caminhar pelas linhas fronteiriças do insuportável.
Nas bordas, posso somente contemplar o fundo, desfocando tudo aquilo que foi jogado para naufrágio. Eventualmente sobem bolhas que estouram em guinchos. A mente é cinza e passo um tempo desesperador tentando me reorganizar de volta à estrada. Mas estou absorta demais nas dores que tomam minha cervical e no barulho dos vidros perturbados por qualquer corrente de ar. Qualquer vento gera uma afetação imensa neles (apesar de nunca ter visto o ponto de romper em estilhaços).
Estar à beira de _____, os olhos marejam e param por aí. Alarmes que gritam viram apenas ruído de fundo, assombros são igualmente abstratos, sussurros n’outra língua. Impossível interpretar. Tampo os ouvidos, ouço o corpo trabalhando, a dor latejando, a respiração curta, as janelas tremendo, vejo da pele para fora minhas piores versões delineadas afastando novas e antigas testemunhas desconfortáveis, pessoas que observam a gradação desse quase-colapso em silêncio. Provavelmente estou mais desconfortável que todas elas juntas. Provavelmente todo o desconforto que percebo se acumular está só na minha pele, na orla da minha praia, e oscila nesse movimento: enquanto o mar puxa as águas de volta para si, um respiro; depois, descarrega tudo o que veio da areia e mais um pouco daquilo que emergiu do fundo.
As dores teimam, a boca do estômago comporta um tumulto que vaza por toda a extensão da coluna, independente da postura ou do tanto que tente compensar a pressão. Conviver com desconfortos tão furiosos é comandar toda a atenção para buscar — pelo amor de deus — um alívio urgente, criando camadas de distância dos silvos abstratos que colonizaram a região do diafragma (mas se manifestam até nos fios de cabelo). Estabelecendo as margens sem intenção, tentando cruzar os limites, as cercas, fugindo de saber e buscando tantas respostas, simultaneamente. Reparo vez ou outra nos dedos picando o corpo, se ocupando por vontade própria como se tentassem escapar da inércia perigosa cavando qualquer superfície que encontram para se distraírem da dor de uma carne inflamável (mas nunca em chamas).
a ilustração mais confortável de se fazer, penso, é a que marca bem os contornos não pede por nenhuma lógica razoável sobre o contraste da cor aqui e ali.
o pincel mais fino alivia o tumulto de nuances. a argamassa, o respiro
e parte é parte e todo é todo, e cada parte existe só, isso se vê bem
camadas definidas, banco é banco, taco é taco
passeio os olhos por ali, banco, taco, livro, planta e para fora da tela
me volto
tentando trazer essa mesma clareza para meus contornos pessimamente desenhados, que sempre se confundem a tantos outros
que se camuflam em toda e qualquer superfície, em qualquer ângulo
pensei por muito tempo, e talvez ainda pense de alguma maneira
como era bom isso, não traçar margens
mover na conveniência entre arbustos secos e o fogo
ter a pele como a eterna adequação sorrateira de andar na ponta dos pés sem o farfalhar das roupas, o cheiro dos cabelos
sem sombra, sem jamais conhecer o som honesto da garganta a real textura do rosto a expansão do pulmão a temperatura do peito a velocidade dos dedos o alcance dos olhos a pressão dos lábios a força dos ombros a altura dos saltos a cor atravessada o corpo translúcido o corpo atravessado.
Isso foi um pouco sobre angústias difíceis de nomear, que é basicamente um dos meus assuntos favoritos. Na verdade, vale para todas as situações de confusão, sofrimento, incômodo e desintegração que qualquer pessoa que tenha uma relação com psicanálise ou goste de Elena Ferrante e Almodóvar vai entender. E se tiver algum material de qualidade nesse escopo, seria muito bem vindo na minha caixa de email. Me manda? É só responder a essa mensagem. :)
Um beijo,