Muito interessante e meio inútil, na minha leiga opinião
Astronomia, no caso, mas o gancho é para falar de outras coisas
Hoje, antes de meio dia, já havia me deparado com o nome “Vale do Silício” três ou quatro vezes, entre textos, notícias e uma analogia em podcast para tratar de AI. Um tédio imenso me varre quando penso nessa região, muito parecido com a preguiça que tenho da Faria Lima — e essa é, por uma ótima contradição, uma avenida que acho agradável de andar, pelo menos na altura de Pinheiros. Mas a carga dos assuntos tecnologia e finanças matam qualquer chance de interesse pra mim, o que torna minha vida muito mais complicada ao ser designer.
Enfim, estou tomando algum tempo para pensar sobre o que me daria um pouco mais de prazer de fazer nessa vida em relação a estudos e carreira (porque de resto acho especialmente simples, encontrar alegrias improdutivas) e sobre a armadilha que é cair numa rodinha de culpa por não servir, ou não servir tanto à sociedade. Porque, no fundo, o negócio sempre é ser médico-engenheiro-advogado e qualquer variação disso que vá surgindo. Como ser útil sem querer se jogar da casa da dona Maria, no oitavo andar (por onde anda Clarice Falcão e essas musiquinhas engraçadas?), questão do século, dos jovens, da vida, da crise dos __ anos. De tempos em tempos aparece essa questão, quando algumas coisas começam a terminar, renovar, esgotar. Puxo um caderno, pego a última versão do mapa mental e volto a imaginar possibilidades. Tenho feito isso de leve, assim como também tenho tentado reduzir minhas cargas de responsabilidade e estresse; passear, comer boa comida, essas coisas.
No meio dessas, vi um passeio que nunca fiz e me parece um bom momento de colocar numa agenda próxima: ir ao observatório astronômico da UFMG na praça da Liberdade. Nunca fui, mesmo “sendo de BH” (de Contagem, na verdade, e não é a mesma coisa, falar que é, é comprar discussão; mas moradora de BH desde '18) e ser gratuito, fácil acesso, enfim. Pensar nesse observatório me trouxe para uma constatação engraçada. Pessoas, no geral, se interessam por astronomia. Acham grandioso, fascinante, difícil. Tem a ver com física, demanda conhecimentos meio doidos, uns cálculos, enfim. Acho que é comum ter uma reverência a gente tipo o Neil deGrasse Tyson. Só que percebi (do alto da minha leiguice, por assim dizer) que não tem muito o que fazer com a informação de que, sei lá; o universo se expande, tem X gases malucos em Urano, anéis-de-Saturno-não-sei-o-quê. Não é exatamente útil, parece. É um conhecimento por si só, mas valorizado, diferente de um conhecimento mais humanístico, voltado para as artes ou o que quer que seja.
Não é uma crítica a esse interesse, mais uma observação, uma empiria, completamente situada em “interpretei assim as pessoas ao meu redor”. E, se estiver certa, acho glorioso ter um certo prestígio nessa inutilidade.
Tem um esforço particular nessa insistência de se dissociar dessa… culpa? Cobrança? Desejo torto que é querer ajudar a todo custo, adoecer de tanto querer ser uma Boa Pessoa numa Boa Função e trazer Bons Retornos para essa sociedade — e, vale dizer, não basta ser útil para ter valor.
Tive uma amiga que tentou me confortar em relação ao mestrado, a delimitar um objeto na época do processo seletivo (estou planejando terminar a dissertação nas próximas semanas). Objetivos, justificativa. Isso vai servir para quê? Pois conhecimento pelo conhecimento. E isso foi, quase na mesma medida, frustrante e apaziguador. Algo parecido com quando alguém te fala: faça o que quiser sem se preocupar com o outro, ninguém se importa com você. Ai e ufa.
A vida não é útil é uma dessas frases (e título de um livro do Ailton Krenak) que, por se vestir de clichê e controvérsia simultaneamente, acaba sendo um tanto difícil de digerir. Esses dias, assisti a uma série documental disponível no Netflix chamada Como viver até os 100: os segredos das Zonas Azuis. Ela é interessante pelo viés aventura, atravessar o mundo e observar pessoas que vivem lúcidas por um zilhão de anos. Acho que, além dos pontos que o Dan Buettner (autor/pesquisador que fica atravessando o mundo) concluiu com ênfase sobre o que faz toda a diferença é que não parece ter uma preocupação sobre nada especificamente. Inclusive sobre estar prestando um retorno útil para a comunidade. Que esses cuidados são incorporados, como em trabalhos voluntários ocasionais ou dedicação na cozinha, mas nada muito além disso. Fico pensando em como inserir esse componente servir sem enloquecer. Não sei ainda, mas continuo rabiscando possibilidades num caderno.
(Fica também uma dica de newsletter: Um ensaio sobre como a literatura não serve pra nada (também um dos textos onde li Vale do Silício hoje).
Um beijo,