Há pouco mais de um ano, comecei um mestrado na minha área de graduação. Me lembro de ter passado esse primeiro semestre um tanto irritada; os origamis feitos com a palavra/conceito “design” chega a dar náuseas – e não é do design de sobrancelhas que estou me referindo.
A cada ciclo de disciplinas, grupos de estudo, curso aqui e lá, rodas de apresentação. Quem é você, o que você pesquisa, como veio parar aqui. Vejo esses momentos com tédio e irritação, apesar de importantes. Mas comecei a notar que, na espontaneidade possível que solto quando jogada contra a parede, sai algum tom dessa raiva conhecida: vim para cá porque estou frustrada. Isso amadureceu com essas repetições. O espaço de tempo entre graduação e mestrado rendeu umas explorações: mapas mentais onde tentei localizar coisas que me interessavam, pensei em mudanças de carreira mais bruscas. Fisioterapia, geologia, linguística. Refinando, deu para filtrar um pouco (hipoteticamente) o que me valeria como um investimento maior. De vida, energia, tempo. Apostei, no final das contas, no que já sabia, no fundo e bem instável, por uma série de motivos, com uma série de expectativas; “o que quero tirar disso”. Um risco.
Toda uma carga de design, ora como quase uma deidade, cheio de poderes, ora como inútil, super valorizado, básico, desproporcional, muleta, acessório, me pegou. Porque parte dessas definições vieram de fora; de deboches salpicados por aí, de figuras amorfas que tem pouco a dizer sobre mim ou minhas escolhas. Tenho minha parcela nessas percepções, mas insistir e dar conta de estar aqui dentro, em contato com o campo todo-santo-dia, num peso maior do que o da profissão que exerço todo-santo-dia, foi um supetão. O que é meu e o que é do outro? O quanto desse tédio que sinto ao ler esse livro vem de mim ou é efeito colateral de umas tantas vozes que tentaram me assombrar em direção a escolhas mais “úteis”? O quanto de coação tem no desconforto que sinto ao ler isso e aquilo? Está direcionado da forma como eu quero?
É curioso de observar como as coisas que queremos não gostamos, necessariamente. Ou como nos incomodam, nos entediam. Dormi em aulas que estava interessadíssima; fui seduzida na mesma velocidade que a relação com o assunto foi, num susto, arrebentada. Nesses momentos, dá para se ver flutuando na cena, pensando em como essa interação é maluca, como esse jogo não admite tantas regras e vai na onda de um acaso. E entre querer e desejar, já sabemos (na psicanálise, ao menos, se sabe): reside uma cratera de distância.
Acabei me percebendo, então, com essa nova meta. De me movimentar em busca do que me interessa e que tanto me repele de desgosto. Porque, obviamente, mora ali um tanto de informação sobre você, sua vida. Não é louco, de certa forma?
Se for pensar, nem tanto. A inércia é enjoativa, insistir em uma leveza constante me cansa; as coisas são percebidas na relação, na diferença; não ser o que não é. Dia, tarde, noite, frio, calor, sono, disposição, o marasmo e a música melancólica, a raiva e a atividade física. Provavelmente já se falou exaustivamente sobre a tristeza enquanto alimento para arte, ostra-feliz-etc. E já foi para o senso comum dizer que a raiva é motor da ação. Mas acho que vale explorar um tanto mais essas outras reações, afetos.
Acho que por isso me atraio tanto por distopias. E livros que incomodam, histórias que cutucam. Existem incômodos e incômodos. Já se deu o tempo de observar suas diferenças?
Não acho que podemos afirmar que fugimos dos desconfortos. A famosa “zona de conforto” sequer é um lugar realmente confortável. Acho que nos faltam palavras (no vocabulário, mesmo) pra poder admitir isso, e observar onde perturba (um assunto, pessoa, abordagem, o que for).
É uma atividade um tanto custosa, mas ajuda nessa de conviver (e ver valor) com o desagradável, tirar uma coisa ou outra dali. Os assuntos que me incomodam sempre voltam para serem elaborados um tiquinho mais. A frustração motiva a seguir coletando, reavaliando criticamente. No fundo, na raiva, no nojo, na indignação, no tédio, bem no fundo, depois de atravessar uma boa dose de mal estar, ainda dá pra se encontrar com algumas coisas que valem à pena e fazem diferença, pra dizer do mínimo.
E, bem. Essa foi a ode ao desconforto de hoje, impulsionada por, dentre outras coisas, essa cena de Fleabag (“Women are born with pain built in. It's our physical destiny […] we have it all going on in here, inside!”, e “It is horrendous, but then it's magnificent” e etcétera) que amo rever e minha qualificação, finalmente. Só porque parece que desconfortos são bem apropriados cotidianamente, mas de modo muito pontual, como se só servisse para arte e terapia e fosse excomungado do resto da vida, mas dá para esticar além disso. Penso.
Um beijo,