No dia 26 de janeiro, decidi conhecer a Bolívia, e fiz um roteiro concentrado em três pontos. Entrar por La Paz, conhecer a Isla del Sol, ir para Uyuni e fazer a travessia do Salar até terminar no Chile, que foi minha porta de saída. Enfim, fiz esse percurso agora em abril no meu modo usual: procurar lugares para ficar, para passar, para comer, organizei em regiões/dia, montei um mapa no Google, organizei uma página no Notion, outra no Tripadvisor.
Fui surpreendida pelo frio e (nem tanto) pelos efeitos da altitude. Precisei conciliar o desconforto das roupas (as pontas dos meus dedos ainda doem um pouco, minhas luvas não eram “completas”) com o cansaço do oxigênio (mais “escasso” numa altura de uns 4 mil metros acima do nível do mar) e passar, hora a hora, tomando decisões sobre o que fazer em seguida. Fico sentada nesse café ou vou para algum lugar fora da rota? Pego o teleférico ou caminho? Compro algo para comer ou vejo o que encontro quando chegar? Era uma viagem programada para ser cansativa, diferente de quando opto por apenas ir para uma praia e ficar ali, dormindo no sol, lendo, escrevendo.
O curioso foi chegar na travessia do deserto de sal, que foi completamente delegada a uma agência (por bom senso, segurança, é a opção mais comum, mesmo). A hora de comer, acordar, dormir, para onde (e como) ir, tudo estava nas mãos de um “guia” durante três dias.
Fez todo o sentido ter a categoria “excursões” em viagens, grupos de pessoas que fazem passeios completamente padronizados. Eu fiz porque seria uma loucura buscar uma alternativa nessas condições (mesmo com um guia acostumado com o lugar, o nosso 4x4 chegou a atolar no meio do nada a noite, sem sinal), mas acabo julgando bastante os city tours de só marcar um check em pontos turísticos, sem definir um tempo ou um fragmento sequer de roteiro personalizado. De alguma forma, foi mais relaxante para a cabeça seguir com esse passeio cansativo e corrido do que fazendo “nada”.
Por outro lado, teve uma dose de trabalho involuntário como tradutora. Em um grupo composto por pessoas da Inglaterra, Itália, Peru e Bolívia, a ponte inglês-espanhol fui eu, apenas, então acabei me comprometendo a repassar informações bilateralmente. Foi bem satisfatório ver que fui capaz de fazer isso (e o fantasma do sotaque e da perda de algum vocabulário não me perturbou, como perturba tanta gente por aí), e estar afastada da minha língua materna me ajudou a dissociar das palavras (ou do significado das palavras) para falar um tanto mais “livremente”.
Apesar do meu estado de não nativa travar a fluidez da conversa vez ou outra, demandando um pouco mais de raciocínio, abdiquei de características muito próprias (de ser mais reservada e cautelosa, por exemplo) para falar mais o que quer que fosse. Em pouco tempo, ter tanta língua na cabeça foi fazendo um nó. Falava com os ingleses em espanhol, com a peruana em inglês, começava uma frase em espanhol e terminava em inglês, intercambiava vocabulário e por aí vai. O tempo todo tendo que parar, rebobinar e começar de novo. Ainda assim, voltei para casa tranquila. Diferente do ano passado, voltando da Colômbia, que já estava meio de saco cheio de falar espanhol, e logo se vê que alguma coisa mudou.
Só pela menção: o Salar de Uyuni é absurdamente bonito, o branco do sal brilhando por quilômetros, as montanhas esmaecidas em azul, flamingos nos lagos, céu estrelado. A região andina é muito particular, provavelmente tem os lugares mais lindos que já vi. Mas disso já prefiro não falar, acho, e o melhor a se fazer é ver, mesmo.
Obrigada pela companhia e um beijo,