Respostas insatisfatórias
Algumas ambivalências: o acrítico, a resignação, a apatia e seus colegas
1.
“Fake news” e “teoria da conspiração” são duas expressões irmãs que andam de mãos dadas, provocando risos e escárnio por onde passam. Rimos porque parecem sempre estar do outro lado da rua, em um outro bairro ou universo onde não habitamos. Chega um momento em que tudo o que está “do lado de lá” nos parece tão estranho que ser “fake news” ou “conspiração” é a única justificativa para essa estranheza. Como poderia algo do Lado De Lá da cerca ser verdade? Se o Adversário diz que o céu é azul, com certeza ele é lilás.
As duas expressões têm um ar de autoridade; você não chama o outro de loroteiro ou caloteiro. É mais polido. Tememos cair no conto do vigário, assim como tememos ser enganados e acabar em uma seita. Esse é o lugar da Tia do Zap, caindo em correntes ou clicando em SMS que te presenteiam com pontos acumulados. Temos horror de nos vermos como otários. E tem algo pior do que se sentir feito de idiota?
(Tem várias, mas vamos ignorar para o propósito literário.)
Acusamos de teoria da conspiração tudo o que parece ir contra nossas crenças — ou as crenças de nossa bolha — e que pareça pertencer a algum inimigo. Só não sei qual é a taxa de recuo de alguém que acusa um fato de ser conspiração e é confrontado com uma chuva de realidade: talvez não seja bem assim. Imagino que o usual seja fingir demência e defender ferozmente a narrativa que já estava bem estabelecida na mente, com vários posts no Instagram e status no WhatsApp.
2.
É difícil (senão impossível) me contentar com a resposta geral de que todo trabalho é ruim e que o sonho real é ser herdeira. Que tudo é culpa do capitalismo, e nada pode ser feito; afinal, é estrutural, é maior do que nós, e não há perspectivas: o poder está nas mãos dos bilionários etc.
Que é, e ponto.
Temos ali tantas coisas grandes demais, intangíveis demais; imensuráveis, mesmo em suas tentativas de adaptação: não “sabemos" o que é um bilhão de reais, um número imenso, mas um milhão traz algo mais palpável. Um milhão de segundos corresponde a onze dias; já um bilhão equivale a 31 anos. É difícil entender números tão grandes, explicações astrofísicas sobre o movimento do universo, e nos resignamos ao não-saber. Mas aquilo que ocorre na surdina da política, na vida cotidiana, como é possível não saber? Como extinguem a estabilidade da CLT debaixo de nossos narizes e "nada acontece"? Como a linguagem típica do "isso é estrutural", de força tão desmoralizante (se tem a robustez do estrutural, como se combate, e em que se ampara?), é tão naturalizada? Só pode ser para combinar com uma vida desmobilizada que é a vida virtual. Nós, seres passivamente submetidos a forças estranhas de uma cultura, estrutura, superego, o que preferir, e que pouco podemos fazer com isso.
Todas são respostas que dizem que há muito pouco que podemos fazer para acabar com X desconforto ou Y injustiça; afinal, são grandes demais para nossos ombros sustentarem sozinhos, ou mesmo organizados; quantas pessoas fazem uma mudança? Ou que há muito pouco a se fazer porque não existe outra alternativa, outro sistema, outro etc. O ser humano é assim, a política é assim, o governo é assim, e encerramos cheios de angústia com a conclusão: aceita e se acostuma.
Considero todas essas respostas insatisfatórias.
3.
Palavras aspiracionais são aquelas inspiradoras e sucintas, relativas a aspirações da vida. Elas podem estampar canecas e agendas: palavras como calma, coragem, amor, fé, força, gratidão, esperança, prosperidade. Tem uma ideia de “profetizar” através do “poder da palavra” aquilo que você deseja. Por ser uma crença um tanto mística ou religiosa, ou mesmo pela carga rançosa que podemos criar em cima de algumas palavras por associarmos essa e aquela expressão com determinados grupos, e tendemos a criar uma camada de julgamento que nos distancia do significado da palavra. Não é com “coragem” o nosso problema, mas acaba se tornando.
Tem umas bandeirolas de risografia que são populares em BH há algum tempo; de vez em quando, aparecem nos Histórias de Casa da vida. Desde 2018, mais ou menos, fiquei cismada pensando em qual palavra valeria estampar a casa. Pensei em várias, nenhuma era suficientemente boa. Desisti.
No ano passado, separei uma carta do tarot que traz uma das minhas palavras aspiracionais: temperança, que traz com ela harmonia, equilíbrio, moderação, profundidade e permissão de quebrar rigidezes. Deixei na sala, separada do restante do deck. Tem seu valor, e é quase um lembrete, para além de ser um “mantra”. Mantras também podem ser meio difíceis: é preciso se desfamiliarizar para chegar nesses clichês de um outro lugar.
Um beijo,