Esse domingo se desenrolou num clima visual. Os últimos dias, na verdade, me pareceram em grande parte uma estratégia de diretor de arte, onde roupas, posturas e ações poderiam muito bem ser registradas o tempo inteiro, os ângulos todos. Isso porque, pessoalmente, sou uma criatura muito da estética, e o perfeito desalinhamento de quadros, plantas, livros e cacarecos me transporta para uma realidade mais agradável: aquela em câmera lenta, em um filme, acompanhando a trilha de uma música. Pensei nisso comendo nessa posição em uma cumbuca de cerâmica, achando graça do equilíbrio.
Para começar, uma decisão simples. Nesse feriado, não ficaria em redes sociais, respondendo, no máximo, uma ou outra mensagem direta de alguma amiga (não tenho grupos de amigos, então notificações são mais ocasionais). Dormi horas que não estou acostumada a dormir, limpei a casa ouvindo podcasts de filosofia, vi meu gato se contorcer em poses fantásticas, toquei as mesmas três músicas no violão como todo dia, acendi alguns incensos que me derrubaram de prazer com o perfume, comi em louça bonita e descombinada, por aqui tudo é bonito e descombinado. Muitos tons de madeira, de tecido, de parede, roupas descombinadas-combinadas, músicas que escuto não-ironicamente* fazendo um contraste com o todo para quem quiser ouvir, ao contrário do que preza o famoso guilty pleasure, como quem faz uma bobagem escondido, julgando a si próprio.
Talvez algumas cabeças leiam isso e pensem: que banal, literalmente qualquer vida, qualquer pessoa, qualquer pano de fundo cabe nisso. E, sim, necessariamente por isso acho especial poder prestar atenção. Banalidades são particulares e coletivas, e gosto de curtir cada segundinho do beber-suco-de-laranja-direto-da-garrafa enquanto me escoro em minha mini-cozinha desconfortável porque me vejo lendo/assistindo esse relato em tempo real e simplesmente parece que tem alguma coisa ali. Alguma coisa que envolve.
Na última casa onde morei, instituí para mim mesma que naquelas paredes morariam todos os testes que pudesse abrigar. Então furei tudo o que consegui, pintei algumas superfícies, arrisquei nos garimpos e reformas, mas considerando que era como uma oficina, uma escola onde não receberia notas, só a experiência de ter tentado.
Assim, deixei paredes e prateleiras tortas, lá e aqui, no apartamento onde moro atualmente, e tenho me metido nesse esforço meio poético de achar tudo bonito, ou ao menos interessante. Brincar com cores, texturas, manchas, falhas, como quem vê em uma série um cabelo milimetricamente desarrumado para ser despojado, mas sem desleixo. Fiquei fissurada com isso, essas supostas linhas que dividem esses significados ou as reações discrepantes que geram. Um pouco como a ideia do tragicômico de Phoebe Waller-Bridge para Fleabag.
Na decoração&indumentária, posso dizer que o descombinado é tipicamente brasileiro, ou, para ser mais moderna, maximalismo latino. Na vida como um todo, procurar maneiras de me divertir com os erros me parece a única forma de viver.
Aqui, chamo de “me divertir” o que qualquer pessoa pode levar como “me entreter”, “me afetar positivamente”. Cabe, inclusive, algumas nuances de tristeza. O cabelo bagunçado com um lenço gera, de alguma forma, uma personagem cativante. O mexido de resto-da-geladeira também. Ou as conversas que tenho com meu gato. Quando pouco impressionante, conseguir se divertir com a história (o “tom”) que se confere é uma dádiva. E dificilmente pessoas estão se surpreendendo, mesmo. Entorpecimento geral.
Acho que essa história de quebras e contrastes e fugir-da-personagem tem atraído para escapar um pouco da comunhão-entre-iguais, essa tendência de buscar um grupo acolhedor (o que foram as tribos urbanas de pouco tempo atrás deu espaço para mil gêneros e sexualidades clamados atualmente). Fico feliz de ouvir pessoas diferentes falando de interesses diferentes. Gosto de compartilhar da ética, mas fico deslumbrada com algumas conversas onde entendo poucas frases como se estivesse fazendo um mochilão em um país onde não falo a língua.
Talvez essa história da experiência tenha comido o resto dos meus miolos, ou talvez seja realmente um jeito de fazer sentido pra (parte da) vida. De qualquer forma, acho até que o que tenho escrito aqui está numa mesma meiuca de tanto que esse estado me inspira. Fico cronicando as mesmas viagens.
Acho válido, de qualquer forma, compartilhar um pouco desse processo de tranquilidade quando ela se faz possível. Nas brechas dos dias, das dores, CBD, remédio para dormir, remédio para acordar, café, vinho, jejum, pronto-socorro, solidão, gastos surpresas em excesso, das demandas que tomam todas as formas e vêm de todos lugares. Acho válido pensar um pouquinho e registrar esse dia em que verbalizei: “Estou ok, as frustrações não estão me engolindo”. Essas são as brechas que tornam possíveis olhar para o suco na garrafa, para a mesmice no violão, para a dificuldade de ler, para os atrasos e desconfortos e pensar que, nessa vida de desejos ambiciosos (sonho alto), ainda dá para fazer graça sozinha, achando qualquer bobagem (na minha vidinha e nas dos outros) interessante.
A @aalmadacasa traz um cado dessas decorações aconchegantes, que não tem aquele ar asséptico nórdico.
*Das músicas que estampariam uma camisa sou eclética: café da manhã, todo o numanice, eu sei de cor, door, feira de mangaio, love again, luz dos olhos, gramercy park, oh well, your power, e por aí vai. Só de ver essa sequência já me divirto. Evoca alguma coisa.
Espero ter te entretido com uma lorotinha sem grandes propósitos.
Um beijo,