Me lembro bem de uns tantos momentos onde um amontoado de designers, aspirantes, diretores de arte ou similares se voltavam diante de uma tela de computador. Vamos avaliar essa marca, essa página de texto, essa capa. Em suas cadeiras, rolavam um tanto para trás, e quem está de pé recuava junto alguns passos. Ver de longe para ver a mancha, o todo, mesmo sem toda a nitidez possível. Desfocar também é preciso. Quando vamos em museus provavelmente fazemos um movimento semelhante: chegamos, vemos uma obra de uma boa distância. Nos aproximamos, capturamos detalhes, formas quase imperceptíveis, observamos as pinceladas, entendemos movimentos de punho e texturas. E nos afastamos novamente, avaliamos aquele todo depois dessa investigação, temos uma percepção diferente em algum grau. Aproxima, afasta, aproxima, vai do contexto; de longe se vê melhor as paisagens, as dunas, montanhas, contornos do relevo, se admira a grandeza de um lago, do mar, a vista de cima de uma cidade, abraçamos a totalidade daquela cena, nos emocionamos com a grandeza. Aproxima, nota-se as engrenagens, a técnica, localizam-se os erros percebidos.

Inaugurei uma nova Temporada da série “Tentando melhorar minha qualidade de vida” com uma nova acupunturista. Ela me recebeu com muita atenção, fiquei mais de duas horas sentada com ela contando meus causos. Disse que tinha a sensação de pensar muito e pensar rápido, embora sejam atributos estranhos de se colocar em pensamentos. Pelo menos nunca vi uma pesquisa onde se seleciona um grupo de pessoas para usarem uma tiara que meça o volume e velocidade dos pensamentos de todos para então fazer uma média. Assim, feito o resultado de um exame de sangue, podemos ver se os nossos estão dentro da normalidade ou não.
De qualquer forma, essa é a minha percepção. Cabeça sempre a mil.
Ela me disse, dentre outras coisas, que seria interessante pegar toda essa agitação da minha mente e colocar no papel, como uma forma de me afastar e encarar aquilo, para talvez fazer algo com o que via. Tomar decisões. Me perguntei o que seria me afastar nesse sentido, sendo que o registro é muito (MUITO) limitado.
Toda sexta tenho assistido aulas de arte da Isabel Carvalho, professora maravilhosa e rápida, de fala ágil por passar muita informação em aulas curtas e tento acompanhar anotando. Sinto que mover a mão em um papel é uma maneira de absorver, mesmo que o resultado do registro seja um garrancho. Considerando o tanto de informação que tento guardar em um tempo corrido, o garrancho é a regra da situação.
Imagina só poder registrar todos os pensamentos curiosos à medida que nos alcançam. Ser garrancho seria a única certeza possível. Caligrafia abstraída. Escrever um volume de pensamentos diariamente é uma prática semelhante a de manter um diário, mas desenvolvido pela (escritora, jornalista, professora etc) Julia Cameron como uma ferramenta de desanuviar. Se afastar. Tenho repetido essa palavra e suas flexões várias vezes, parecem carregar um enigma sensacional em seu centro.
A acupunturista (Letícia) sugeriu mudar o afastamento, no caso. Internamente, as histórias que crio vão até anos-luz daqui, completamente descoladas da realidade, pouco práticas. Ficam ali, na cabeça, se retroalimentando. Normal. Até não ser mais tão interessante se perder em pensamentos. Daí se afastar e pensar o que é possível de se fazer com tanta história, até para frear umas tantas.
Terminei a última edição dessa news divagando um pouco pela ideia de sincronia (sincronicidade). Sinto que estou (quase) monotemática, falando dos mesmos assuntos, explorando talvez outras beiradas. São muitos caminhos para explorar pensamentos, no final das contas. E esses contatos frequentes com os mesmos pontos querem dizer alguma coisa também. Talvez essa coisa se torne apta ao toque depois de recuar um pouco.
Afastar parece ser uma daquelas sabedorias chave. As vezes complica quando se é míope.
Tentei e tento apostar nos inícios. Comecei livros só para largá-los nas primeiras páginas. A fase me pede repetição, vá logo no que já sabe que é bom, se recolha nas palavras que já encontrou. Esse é o conflito: não estou tão a fim de escutar essa voz. Mas provavelmente vou, então devo reler A redoma de vidro, da Sylvia Plath, e Primeiro tive que morrer, da Lorena Portella. Chega de novidade, hora de revisitar o conhecido.
Inclusive, sobre livros, ainda estou sob o efeito desse post da Gabi Barbosa sobre a antibiblioteca, uma perspectiva sobre os livros que ainda não lemos: “Manter uma coleção de livros não lidos nos confronta com a ideia de que não sabemos de tudo, e que nunca saberemos. Conviver com os livros não lidos joga na nossa cara que é preciso ter sede de conhecimento, mas manter a humildade — seja ela intelectual ou não”.
A vida é uma quitanda é uma das minhas newsletters favoritas. Gosto da poética dos textos do Kim, recomendo a leitura de todas as edições.
Recuperando esse cover de Fletwood Mac feito pelas HAIM.
E fechando com outra sabedoria universal:
Obrigada pela companhia até aqui e, como sempre, me interesso por todas as referências, piras e noias que esse texto pode ter suscitado por aí. Me conta?
Um beijo,