Voltando naquela história de ter uma dificuldade imensa de admitir o valor de disciplinas/derivados que extrapolam a tríade poderosa das áreas bem remuneradas (medicina, direito, engenharia); mas agora levando essa história para processos criativos.
Quando era mais nova, não entendia as cenas extras, entrevistas e gravações de bastidores que vinham em dvds. Mas agora, são informações que estampam todos os cantos: livros de bastidores, exposições de processos, cursos sobre processos, diários publicados. É uma intimidade revelada, então dá para entender que pessoas — no geral — sintam um desconforto em falar de processos; mas a curiosidade cresce e torna a criação algo imenso a se explorar.
Você vai atrás desses materiais; o que você busca enquanto xereta? Saciar a curiosidade, conhecer algo sobre alguém que admira, entender como essa cabeça funciona, assimilar algo na sua vida profissional/pessoal?
Deixa eu te contar que isso é, de fato, um campo de estudos, com direito a nome forte (crítica genética e crítica de processos) e tudo. Aliás, um parênteses. Isso me lembra um dia que fui explicar o que era semiótica, do jeito mais simples que pude, para um sujeito da área de sustentabilidade, mas formado em RI. Ilustrei com a ideia de que um tanto de elementos visuais (como o verde e formas fluidas) e mesmo selos/certificações são representações de uma prática sustentável em sua área; as pessoas fazem (ou tendem a fazer) essa associação. Mas nada disso é, de fato, a prática, ou prova definitiva de que a prática é sustentável. E semiótica estuda de maneira lógica essas associações, que se relacionam em maior ou menor grau (quando não é nulo) com a realidade. Ele ficou estupefato, disse que jamais imaginaria que isso era estudado. E fica o cutucão de vara, tanta coisa é pesquisada sem desconfiarmos. Fecha parênteses.
E serve para quê, você pode se perguntar, somando na minha questão recorrente com valor/utilidade. E pode ser isso: servir para registros, pequenos recortes de uma cultura, conhecer aquilo que aproxima pessoas que dividem o mesmo ofício criativo. E dá pra dizer que é conhecimento pelo conhecimento também. Mas uma coisa interessante é ser mais uma evidência de que tudo é processo. Um lembrete de que sua casa não está “pronta”, que “nada” é tão definitivo e deve ser dado como encerrado tão rigorosamente.
Porque você conhece um processo específico e descobre que mesmo aquele artista visual (ou escritor, ou músico, ou diretor etc) não considera aquela obra acabada. Dali, sai uma releitura (mesmo que na cabeça da pessoa, apenas), uma nova versão, uma reedição, uma versão expandida.
Como isso obviamente não é suficiente pra mim, insisti no lado do conhecimento; que processo criativo também está de mãos dadas com o aprendizado. Criei a hipótese com meu companheiro livro genérico que, no design, é basicamente o projeto visual que “precisamos” criar porque o texto precisa de uma forma, e qualquer escolha determina essa forma; mesmo que um padrão Word. E se esse projeto não for hiper padronizado é reflexo de seu conteúdo. Diz alguma coisa sobre ele. Então, grosso modo, você lê e estuda alguma coisa sobre aquele tema para se colocar a par do projeto; principalmente se for um livro “teórico”. As anotações para um projeto podem parecer o fichamento de uma matéria. Parecem, mas cada um com seu propósito. Você estuda sobre ilustração botânica, sobre a representação de mitocôndrias, sobre o vestuário dos anos 1920; adquire e fagocita informações. Transforma isso em alguma coisa, como o aluno que faz esquemas visuais em uma folha pautada para consultar às vésperas de uma prova.
Se a gente consegue colocar um processo criativo nos termos de adquirir e organizar informações (e não fui eu quem fez isso, foi a pesquisadora Cecília Salles) e tratar um monte de inferências de modo satisfazer de alguma forma a demanda por representar de algo, então dá pra dizer que aprendemos criando “artisticamente”. Aprendemos a aperfeiçoar o olhar, a entender visualmente jogos de luz, alguns modos de se falar, um traço cultural, ou algo a mais sobre as ciências duras, mesmo.
Parece também uma ideia de como criar salas de aula mais interessantes, e que não precisam se sustentar numa ludicidade super infantil, mas que seja mais criativa, mesmo. Tenho uma preguiça mortal de quem quer transformar qualquer atividade universitária/escolar em uma brincadeira, mas parece que a ideia de credibilidade (do professor, do conteúdo) está tão colada na imagem de seriedade rígida e muitos papers de parágrafos longos (olha a semiótica de novo) que é quase impossível propor algo fora disso.
E voltando no companheiro livro, podemos entender uma página como um mapa da mente, “da ordem social da qual emerge”1. Quando a gente projeta um livro, acaba projetando junto a leitura que esperamos que se faça dele (já que esperamos que alguém leia). Então mesmo o projeto mais “banal” tem algumas informações para passar. Sobre o livro, sobre livros, sobre criar livros, sobre criação, sobre criar nesse país, nesse contexto.
Esse texto, assim como um outro que mencionei acima, é uma adaptação (recorte e extensão, na verdade) curta de parte de um artigo que apresentei no ano passado. Espero que sirva para testar um pouco os limites do que se entende por pesquisa por aí.
(Hoje, vendo a ginástica artística das olimpíadas, fico curiosíssima para ver a criação da coreografia das atletas.)
Um beijo,
Do livro Elementos do estilo tipográfico, de Robert Bringhurst.